Houve uma vez dois parabéns

Por Marcelo Dunlop

Quem nunca celebrou seu aniversário com os amigos no bar?

O cardeal Ratzinger, talvez. Já o resto da humanidade há de concordar: soprar as velinhas na mesa do botequim é garantia de diversão e histórias para contar.

Esteja certo, no entanto, que por mais que sua sogrona pinte o sete, ou que seu primo cabeludo enfie a conta na boca e mostre o mamilo ao garçom, nada será capaz de superar dois grandes aniversários, celebrados no Rio há coisa de 50 anos.

Eram os loucos anos 1970, e o Leblon era um point animado. De acordo com os antigos, foi naquele bairro que a mãe de todas as comemorações aconteceu. Uma farra de parar o trânsito, capaz de deixar no chinelo a festança de 60 anos da TV Globo outro dia. E o melhor: sem nada planejado, sem nenhum preparativo. Tão do nada que não havia nem um aniversariante de fato.

Era novembro de 1972, e a tarde seguia pacata no Final do Leblon, acolhedor restaurante localizado no número 64 da Dias Ferreira. Numa mesa qualquer do estabelecimento, três amigos bebericavam, com a desculpa de bolarem uma peça de teatro. Um musical.

A ideia era perfeita, concordaram o escritor Eric Nepomuceno, o roteirista Mario Prata e o músico Chico Buarque. O novelista Prata, contudo, tinha um porém (ai, porém). Só poderia ajudar no roteiro e nos diálogos, afinal tinha o “ouvido cego” para música.

Ah, Chico não comprava essa. Duvideodó. Ninguém podia ser tão avesso a melodias que não pudesse colaborar com um refrão, um verso que fosse. Mas Mario foi taxativo:

– Chico, eu desafino cantando “Parabéns para você”.

Impossível, teimou o sambista. E quis ouvir para crer.

Olhos nos olhos, Mario Prata então limpou a garganta e mandou ver, com palminhas e tudo. O Chico atento, avaliava o tom, os graves e agudos.

Deu no que deu. Em trecho de seu livro “Minhas Mulheres e meus homens”, o próprio Mario recordaria:

“Cantei a música toda, inclusive a segunda parte que a minha memória foi buscar não sei onde. O bar foi ficando em silêncio sem que a gente percebesse. Quando terminei, umas 30 pessoas se levantaram e aplaudiram. Não a minha voz, mas o Chico que, para eles, aniversariava. Alguns, menos tímidos, foram até a mesa e o cumprimentaram com abraços. Teve uma menina que deu um boné para ele. O dono do bar, o seu Manuel, disse que a rodada era por conta da casa.”

Para que estragar a festa, não é mesmo? Os três gaiatos então viram a Dias Ferreira começar a virar um formigueiro. Carros paravam de qualquer jeito, todos queriam aparecer na “festa do Chico”. Que, como qualquer wikipedia informaria hoje, aniversaria em junho. A maluquice chegou ao ponto de telefonarem para a casa da Marieta Severo, que ouvia tudo atônita:

– Traz um bolo! Com velinhas. E as crianças! Aqui a gente explica. E o Chico só rindo, e pior, de boné. Abraçado a ele, seu amigo desafinou feio até de madrugada.

Já o segundo aniversário mais falado da história da cidade, tão bombado quanto uma festa da Carol Sampaio, aconteceria poucos anos depois. E somente a 700 metros dali.

Era um dia 25 de janeiro do fim da década de 1970. O maestro Tom Jobim era um dos mais célebres frequentadores do Antonio’s, na Bartolomeu Mitre, onde hoje há uma cafeteria com internet.

Tocou o telefone do bar, e o garçom cearense que atendeu não conteve o espanto: meu padim Ciço, era o Frank Sinatra! Sim, de Nova York! O bar ficou em polvorosa. Do outro lado da linha, o secretário de Mr. Sinatra era direto. Exigia falar com Mr. Jobim, por um motivo inadiável: o astro americano queria lhe cantar “Happy birthday to you” naquela data querida. Clientes, mâitre e garçons se descabelaram em busca de Tom, que não chegara ainda. Sinatra, com a demora, chegou a esbravejar ao telefone, para delírio dos clientes que já cercavam o aparelho.

Meia hora depois, da Barra, chegaram o jornalista João Luiz Albuquerque e o empresário Jackson Flores. O ambiente estava tumultuado, um misto de euforia e decepção, pois Tom não havia sido localizado. Só conseguiram passar o recado de Sinatra e seu telefonema-cantado mal-sucedido.

Cinquenta anos depois, João Luiz ainda suspira ao contar a história, para colegas de mesa do bar Joia ou no Baixo Gávea. “A coisa tomou tamanha proporção que o telefonema virou notícia, os jornais repercutiram e o Tom ficou enternecido com a lembrança do astro americano”, recorda o jornalista e escritor especialista em jazz, velho amigo de Jobim. “E o que eu podia fazer? Jamais tive a coragem de contar a ele que tudo não passara de um trote de aniversário, feito por dois desocupados.”

Como se vê, João Luiz de Albuquerque segue frequentando os bons bares e vivendo histórias. E, aos 85 anos, ele garante: continua a fazer uma imitação responsa de Frank Sinatra. Só não passa mais trote aos camaradas.

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