Se o Brasil ficou mais pobre sem Jaguar, avalie o prejuízo dos botequins.
Cartunista, escritor, editor do jornal mais engraçado da história do Brasil – “O Pasquim”, procurem saber, crianças – Jaguar foi nosso maior e mais longevo boêmio. Numa Olimpíadas de biriteiros, em disputa renhida com Mussum, Zeca Pagodinho e Vinicius de Moraes, Jaguar pegaria pódio, fácil. Numa copa do mundo de histórias de botecos, ficaria décadas invicto.
Ao cantar para subir aos 93 anos, nos deixou de herança bons livros, milhares de cartuns e, joia das joias, suas inspiradas frases.
As melhores:
“Sem os bêbados, este mundo seria mais chato que a TV Câmara.”
“O chope perfeito requer três dedos de colarinho cremoso. Você espeta um palito e ele fica em pé, sem afundar”.
“Aquele bar era um pé-sujo, mas de unhas feitas.”
Ao ver um amigo tomando uma tubaína: “Tomo 12 Brahmas por dia e fico bem, mas se tomar essa coisa açucarada, serei levado na maca.”
Sua tirada mais famosa, repetida por bares a fio, nasceu de fato num programa de televisão. Seu entrevistador era o ator Paulo César de Campos Velho, vulgo Pereio. Em sua voz tonitruante, Pereio inquiriu, de carona no samba de Noel Rosa:
– Por que bebes tanto assim, rapaz?
A resposta nasceu definitiva. Imagine a voz áspera de Jaguar e saboreie:
– Ora. Bebo porque é líquido. Se fosse sólido, eu comia.
O fato é que Jaguar – para os íntimos, Sérgio de Magalhães Gomes Jaguaribe – se sentia mais inteligente ao beber, o que não passava de sobriofobia, já que ele era divertido mesmo sem um copo na mão.
Apreciador da baixíssima gastronomia carioca – sabia até onde traçar uma suculenta carne de cobra, em Caxias – certa vez surpreendeu os amigos: iria para Paris.
Eram os anos 1970, e ele, um dos jornalistas mais queridos da cidade, foi convidado para uma pauta a bordo de um supersônico Concorde, o avião francês. Como tinha bebida a bordo, Jaguar, claro, aceitou. Entre os tantos colunistas e cronistas sociais do voo, engatou conversa com o refinado Maneco Müller:
– E você, Jaguar, quais os planos em Paris?
Ele:
– Desembarcar e pegar o voo seguinte. Tenho que fechar o próximo número do “Pasquim”.
Dito e feito. Chegou em solo parisiense pela manhã, encontrou um pied-sujô, saiu de lá para o aeroporto e no outro dia já estava a beber no Leblon.
Essa pegada durou “só” até os 80 anos, quando precisou parar. “Fui corneado por meu fígado”, resumiu, ao descobrir um tumor. E continuou engraçado – inclusive para os fãs, chocados, quando o viam diante de uma lata de guaraná. Era como ver Pelé entrar em campo e ir para o gol.
Mas o fígado volta e meia levava o troco. Certa vez, numa livraria em Ipanema, Jaguar surgiu elegante, boina preta e casaco de couro marrom. Tirou um frasco redondo de perfume e pediu uma água tônica. Para gargalhada geral, borrifou a essência no copo:
– É gim, só para dar um cheiro.
Até os últimos anos, o velho mestre garantia que ainda iria tomar o último grande porre:
– Eu vou me recuperar e darei aquela festa. A entrada? Será um litro de bebida não perecível!
Nunca, jamais, em tempo algum eu sou de escrever com uma cerveja do lado. Não misturo bebida com prazer. Mas, em tributo a Jaguar, acabo de abrir uma do Brewteco. Cremosa, três dedos de espuma, e o palito nela, como o mestre ensinou.
Lembra alguma boa de Jaguar?

