Paulo Mendes Campos, poeta e torcedor do Botafogo (não necessariamente nesta ordem) entrou no bar e olhou para cima. O proprietário decorava o estabelecimento, colando rótulos de uísque no teto. O Paulinho, rápido:
– É… Cada Michelangelo tem a Capela Sistina que merece.
Era um sábado de 1983, e o bar era o Le Coin. Não me perguntem como eu sei. É um dom, e uma danação.
Lembrei da história outro dia, na Flip, ao comprar meu exemplar, devidamente autografado, de um clássico do humor literário brasileiro. A
obra, do cearense Chico Venâncio Feitosa, conta a saga de um herói fictício nacional, “O homem que botou um bar no céu”.
O livro lançado pela Rouxinol do Rinaré Edições não fica a dever a outras joias da literatura de cordel, como “O cachorro dos mortos”, de Leandro Gomes de Barros, ou “Futebol no inferno”, de mestre José Soares.
Maximiano, dono de taberna em Juazeiro, era casado com a bela Carmô (contém ixpóile). Não, não vou contar muito, mas vocês já adivinharam. Max dá uns moles, canta para subir e ganha trombetas e asinhas. Fica um pouco entediado, e pede ao Pai de Todos:
“– Ó Deus e bondoso mestre!
Quero vossa permissão
Para aqui botar um bar
Como eu fiz no Sertão
Pois também aqui no Céu
Precisa ter diversão.”
Você aí negaria? Nem o Barba, lá do “trono do saber”:
“Deus com ele concordou
E disse: – Não há problema
Vá logo botar seu bar
Monte lá o seu esquema
Que não vou me incomodar
Acabou-se o seu dilema.”
A partir daí, o leitor mais criativo fica a imaginar. O autor não detalha, mas se pode vislumbrar Jó de papo com Noé, Santa Hildegarda e Abdias comendo petiscos e o bom Judas Tadeu de sandálias no balcão, espiando o jogo na TV.
E por que lembrei de Paulo Mendes Campos? É que o brilhante poeta tinha uma tese e tanto. A de que o bar também era criação de Deus – que havia tido a ideia logo depois de caprichar e desenhar Eva. Em célebre crônica, PMC escreveu que o mundo foi o primeiro bar, “quando se encontraram num jardim duas criaturas desconhecidas, e à mulher, buscando comunicação, ofereceu ao homem uma fruta. Naquele Garden Bar principiaram os equívocos. Foi o primeiro ponto de encontro.”
Se o “Garden Bar” não durou, o bar do Max no céu foi um estouro. A ponto de o dono se empolgar. Ao ver seu cofrinho cheio, ele refletiu: “Rapaz, se aqui já estou lucrando assim, imagine lá no subterrâneo, nos impérios do Grão- Tinhoso?” E assim foi feito – tudo com a permissão do bom Deus.
Por admiração e amizade a Chico Feitosa, não posso entregar o fim da história. Mas digo, isso sim, que o papo de Belzebu com o pobre Maximiano, murcho após ter crescido o olho, é de rolar de rir.
Vivas a Chico Feitosa e ao cordel brasileiro, que nos permitem sonhar que também há um bom botequim no céu. E vivas a Paulo Mendes Campos, notório estudioso da Bíblia e bebedor de chope, que um dia nos ensinou, sábio e profético:
“Cristo nos convidou a amar o próximo como a nós mesmos; mas a verdade é que só os bêbados aturam os bêbados; e só os sóbrios aturam os sóbrios.”
Amém.