Apenas uma crônica de corno

Dunlop

O bar, afinal, é lugar de corno?

Calma, calma lá, não tome como indireta. A delicada questão me surgiu outro dia, quando escolhia a estação de rádio, e fui acertado no tímpano por um imortal sucesso de Reginaldo Rossi, cantor e compositor pernambucano expert em canções de desamor.

Logo cocei a cabeça e comecei a refletir. O que faz tal clássico, lançado em 1987, tocar tanto até hoje? E por que há tanto violeiro em carros e tratores conversíveis graças a suas cantigas de casais traídos – entoadas de Minas a Goiás, de Taubaté à cerca do meu vizinho? E a pergunta mais importante: se a música de corno é uma instituição, não valeria investir na crônica de corno?

Com isso na testa, peguei a caneta e o guardanapo, pus minhas moedas na juqueboxe e ataquei, atirando longe o chapéu e suspirando, ah Suellen, desgramada…. O resultado vai a seguir.

“Garçom…”

– Boa noite, Dr. Gervásio. A mesa de sempre?

“Aqui nessa mesa de bar… Você já cansou de escutar centenas de casos de amor…”

– Ah, põe centena nisso, doutor. Um couvertzinho? O patê e o pão de queijo estão ótimos. Nem só de amor, não é? Te contei o caso do Fabão, amigo flamengo que cruzou a fronteira do Uruguai sem passaporte, fingindo que fazia cooper? Pois ele…

“Garçom, no bar todo o mundo é igual. Meu caso é mais um, é banal! Mas preste atenção, por favor.”

– Uia, bem que notei seu sumiço, Dr. Gervásio. Então o tempo está mais para urubu que para colibri? Pronto, sou só ouvidos.

“Saiba que o meu grande amor hoje vai se casar! Mandou uma carta pra me avisar, deixou em pedaços o meu coração…”

– Chope para o seu Gervásio, rápido! Ou melhor, um chope duplo, que a situação tá feia. O homem está com aquela enxaqueca na testa, e como dói.

“E para matar a tristeza só mesa de bar… Quero tomar todas, vou me embriagar…”

– Olha doutor, há uma lição que aprendi em Fortaleza e me tem sido valiosa. Só há dois tipos de corno: o que sabe e o que nega. Ela vai casar com outro? No fundo isso é um livramento. Calma doutor, não mastigue essa carta! Que tal umas azeitonas?

“E se eu pegar no sono, me deite no chão? Garçom, sei que eu estou enchendo o saco. Mas todo bebum fica chato. E valente, e tem toda a razão.”

– Não é para tanto, doutor. Olha, a partir de agora você ganhou um Melhor Amigo. Não, não sou eu. O nome dele é Tempo. Só o Tempo para aconselhar, e curar essa dor. Avalie você que meu primo Altamirando….

“Garçom, mas eu… Eu só quero chorar, eu vou minha conta pagar! Por isso, eu lhe peço atenção… Saiba que o meu grande amor hoje vai se casar…”

– Sim, doutor, já entendi essa parte. Saberia em qual igreja? Melhor nem saber. Imagina, você invadindo, pegando o padre de sopapos, e eu atrás a apartar. Além de sacrilégio, não teria o menor cabimento.

“É, para matar a tristeza só mesa de bar! Quero tomar todas, vou me embriagar

Se eu pegar no sono, me deite no chão. Me deite no chão…”

– Está certo, doutor. Pode ser perto daquele cachorro ali? É manso feito o senhor, parece até um travesseiro. Não quer uma canjinha, doutor Gervásio?

Ok, vocês venceram. Melhor passar a régua e deixar mesmo com os profissionais.

Brewteco
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.